quinta-feira, 18 de outubro de 2012

O Relato de Arthur Gordon Pym (Edgar Allan Poe)



por Anailde Ribeiro
  e Ramona Rocha




            Seguindo a ideia da Literatura de Viagem, conheceremos um livro que, embora, seu enfoque principal seja relatar uma viagem, traz muito mais que isso.

  EDGAR ALLAN POE

Edgar Allan Poe nasceu em 1809, na cidade de Boston (EUA), filho de atores, ficou órfão aos dois anos, sendo adotado por  John Allan, rico negociante, o qual lhe proporcionou uma esmerada educação.
Em 1826, tem uma discussão com seu pai, por este não querer pagar-lhe as inúmeras dívidas e no ano seguinte, abandona a mansão e  se alista no exército, onde chegou a primeiro-sargento, todavia após alguns meses saturado daquela vida, requer licenciamento e ingressa na Academia Millitar de West Point, onde foi expulso, em 1831, por indisciplina.
  Dois anos depois, ganha um concurso do Saturday Visiter, com o conto Manuscrito Encontrado numa Garrafa e após recomendação de um membro do júri, P. Kennedy, é contratado por Thomas White no Southern Literary Messenger, em Richmond; entretanto, após alguns meses, é demitido por entregar-se ao alcoolismo.
 Em 1835, casa-se secretamente com Virginia, quando esta tinha 13 anos. Nessa época, foi recontratado por White, sendo nomeado redator-chefe, contudo, após nova crise de depressão e dominado pelo álcool e drogas, acaba sendo demitido definitivamente.
  Em 1838, publica As Aventuras de Arthur Gordon Pyn, e em 1845 publica o conto O Corvo, trazendo-o sucesso literário. Nesse mesmo ano, obtém os direitos do Broadway Journal, onde investiu tudo o que pode, contudo, ao não encontrar um sócio desiste.  Dois anos depois, Virgínia morre, entregando Poe, ainda, mais ao alcoolismo.
 Em 1849, marca casamento com uma antiga namorada, Elmira Roystester, porém, morre dez dias antes do enlace, no dia 07 de outubro de 1849, em Baltimore (EUA).

ROMANTISMO AMERICANO

Segundo VanSpanckeren (p. 17): “Nathaniel Hawthorne e Edgar Allan Poe – representam a primeira geração literária importante dos Estados Unidos”, tendo o primeiro declarado que “os romances não eram histórias de amor, mas literatura de ficção séria que recorria a técnicas especiais para comunicar significados complexos e sutis”.
 Dessa maneira, o Romantismo Americano pretendia efetivar a identidade do povo, afastando qualquer tradição inglesa, enquanto abordava o individualismo e as paisagens bucólicas da natureza.
Em O Relato de Arthur Gordon Pym encontramos o individualismo representado pela criação de um universo próprio, enquanto relaciona a tradição e a inovação; de modo que a exemplo ao afirmado por Hawthorne consegue transmitir significados complexos e sutis, no caso de Poe, revelando um homem universal, quando trata da alma humana, do familiar e estranho, rompendo os limites da realidade.

ENREDO

Arthur Gordon Pym embarca clandestinamente no “Grampus”, escondendo-se no porão com a ajuda de seu amigo, Augusto.
A ideia inicial era sair do esconderijo quando a embarcação estivesse tão distante da terra que fosse inviável o retorno para expulsar o rapaz, entretanto, devido a um motim chefiado pelo imediato e o cozinheiro, Arthur passa mais tempo do que seus suprimentos foram armazenados, sofrendo privação de água e comida, além do ar impregnado pelos barris de óleo de baleia, de modo que acredita na morte certa.
Quando consegue fugir dos rebelados, Augusto vai ao encontro de seu amigo, após algum tempo e ao perceber que um dos rebeldes – Dick Peters – era de confiança, o rapaz revela a este o esconderijo de seu amigo; de maneira que os três planejam a retomada do comando da embarcação.
            Com o sucesso da retomada de poder e a morte de todos os rebelados, exceto Parker, os sobreviventes passam a sofrer com a iminência do naufrágio e a falta de comida e bebida.
Após longo período de privações e entregues ao desespero, Parker é usado como sacrifício para saciar a fome  e a sede. Um tempo depois, Augusto morre, devido a um ferimento no braço durante a luta de retomada de poder.
O “Grampus” naufraga, deixando Peters e Arthur a mercê dos tubarões, entretanto, antes da morte se concretizar, eles foram resgatados pela embarcação “Jane Guy”, onde foram bem tratados.
O Capitão Guy tinha um espírito exploratório e o navio fez rotas que proporcionassem a exploração de ilhas e novas terras, levando-o à Ilha de Tu-wuit, onde conheceram selvagens e iniciaram uma boa relação. Entretanto, os selvagens tinham um espírito sanguinolento e armaram uma emboscada, na qual morreu todos os homens brancos, exceto Peters e Arthur que tinha se afastado do grupo para colher avelãs.
Desse modo, eles voltam a sofrer privações, já que não podem revelar aos selvagens que sobreviveram; até que decidem buscar alimentos e são vistos pelos selvagens, então correm até a canoa mais próxima e fogem da ilha, levando consigo um refém, quem, posteriormente, descobrem chamar-se Nu-Nu. Durante a viagem, percebem que após um período de enorme angústia, o selvagem morre, quando avistam um enorme homem surgindo das águas.
 A obra é um romance aberto, cujo final permite ao leitor imaginar as respostas não respondidas, por exemplo, como Peters e Arthur retornaram aos Estados Unidos.


TEMAS

  • Navegação:
 “O ‘Grampus’ geralmente ia à capa com uma vela de traquete inteiramente nos rizes. (...) Mas deixemos de lado essa lição improvisada de marujaria. Não era hábito do imediato manter um vigia no convés quando o navio ia à capa durante um vendaval.” (Poe, 2010, p. 80-81)

  • Canibalismo:
 “Será suficiente dizer que, tendo saciado a sede com sangue do cadáver e após jogarmos, de comum acordo, as mãos, os pés e a cabeça ao mar, junto com intestinos e demais entranhas, devoramos pouco a pouco o resto do corpo, no decorrer de quatro longos dias, do dezessete ao vinte daquele mês” (Poe, 2010, p. 119)

  • Loucura:
 “Ao ver uma colônia de algas que boiava junto ao brigue, quis jogar-se ao mar a todo custo, julgando que o sargaço era o escaler da redentora; seus urros e bramidos me cortavam o coração, mas consegui restringi-lo, pela força, de afogar-se na miragem”. (Poe, 2010, p.114)

  • Miséria:
 “Ao final do dia vinte e um, vimo-nos mais uma vez reduzidos à escassez completa de alimentos e de água” (Poe, 2010, p. 120)

  • Expedição exploratória:
“A cinco de dezembro, recolhemos âncora e partimos rumo ao sul, mas tendendo para oeste, com intenção de vasculhar meticulosamente a região onde o grupo das Ilhas Auroras, de duvidosa existência, estaria presumivelmente situado” (Poe, 2010, p. 151)

  • Sobrenatural:

            “(...) mas logo à frente, interrompendo nossa trajetória, ergueu-se de súbito uma figura velada, de proporções descomunais, dobrando ou mais as do maior vivente” (Poe, 2010, p. 229)

  • Horror:
 “Trinta ou mais corpos humanos, entre os quais contavam-se algumas figuras femininas, jaziam estirados entre a popa e o refeitório, no mais avançado estado de putrefação”. (Poe, 2010, p. 104)

  • Desespero:
“Percebemos claramente que não havia viva alma a bordo do veleiro: mesmo assim, negado o malho imparcial clamamos por socorro àqueles mortos!” (Poe, 2010,  p.104)

  • Morte:
“Sem oferecer resistência alguma, Parker foi esfaqueado às costas por Peters foi- se de nós sem um suspiro”. (Poe, 2010, p. 119)

FOCO NARRATIVO

Narração feita em primeira pessoa, onde cuidadosamente são descritos e narrados os eventos ao longo do relato ora em estrutura de diário ora escapando a esta forma narrativa:

 “3 de junho. Augusto trouxe- me três cobertores, com os quais pude preparar uma cama confortável em meu esconderijo”. ( Poe, 2010, p. 73)
 “ Como de hábito, os homens estavam borrachos, e, antes que pudessem ferrar convenientemente as velas , uma onda gigantesca a estibordo forçou a galera a navegar com a murada de bombordo submersa”. (Poe, 2010, p. 77)

De acordo com Ribeiro (1996, p. 99): Edgar Allan Poe procura explorar o terreno daquilo que poderia ter sido, mas na realidade não o é. Pelo engano dos sentidos perceptivos dos personagens, cria ilusórias situações sobrenaturais que, em seguida, são instantaneamente desfeitas

"Meu sonho não era, em verdade, um sonho. As patas de um enorme e autêntico monstro apoiavam-se sobre meu peito, seu hálito quente sussurava em meu ouvido e uma fileira de aterradores alvos dentes brilhava junto a mim na escuridão. (...) Minha perplexidade foi enorme e, a princípio, não soube explicar essa surpreendente atitude - mas logo reconheci o ganido peculiar de meu Terra Nova "Tigre". (Poe, 2010, p. 33)

ESPAÇO NARRATIVO

A obra acontece predominantemente em alto-mar, visto que Arthur relata suas aventuras de viagem que principiaram a bordo do “Grampus”.
Além disso, há o relato em ilhas pouco exploradas, cujo espírito expedicionário dos tripulantes leva-os a buscar informações, entre as quais podemos destacar: as Ilhas Auroras, as quais o “Jane Guy” investiga a veracidade, e a ilha de Tu-wuit, onde explorando o local, terminam conhecendo os selvagens, iniciando uma boa relação, embora, sejam mortos em uma emboscada dos “ingênuos” selvagens.


PERSONAGENS

Em O Relato de Arthur Gordon Pym, o protagonista é o narrador-personagem, Arthur  Gordon Pym, rapaz de família abastada, cujo desejo de aventura levou-o a embarcar clandestinamente no navio comandado pelo pai do seu amigo, Augusto, onde viveu inúmeras experiências.
O amigo fiel de Arhur, Augusto, tem um papel determinante no enredo ao auxiliar o embarque do amigo e estimulá-lo a viver as aventuras no mar, embora, morra na viagem.
Um personagem que ganha espaço após a rebelião e torna-se relevante  durante a trama é Dick Peters, o índio que ajudou Augusto a retomar o comando do baleeiro e acompanhou Arthur em todas as aventuras, sobrevivendo a todos os tormentos e, muitas vezes, salvando-o com sua força descomunal, o que tornou-o no único capaz de esclarecer a lacuna do relato.
Entre os personagens com alguma relevância, há:
Os revoltosos do “Grampus”, cujo motim permitiu o desencadeamento de todos os desastres, devido ao seu espírito rebelde afastaram a embarcação de seu destino preestabelecido.
Parker, quem teve a ideia de um ser sacrificado para servir de alimento aos outros e terminou sendo o sacrifício.
Capitão Guy, cuja embarcação socorreu os náufragos, Arthur e Peters.
Tribo chefiada por Tu-wuit, que preparou uma emboscada aos tripulantes do “Jane Guy”, deixando Peters e Arthur novamente isolados.

MENSAGEM

Poe representa em O Relato de Arthur Gordon Pym, a maldade e a perversidade humana, com a emboscada dos selvagens à tripulação do “Jane Guy” ou o rumo que levou o motim no “Grampus”; a capacidade de adaptar-se ao sofrimento como instinto de sobrevivência, ilustrado por todas as alternativas que Arthur arrumou para sobreviver com a privação de comida e água ou o período que passou sofrendo no porão do navio; a angústia que rodeia toda a existência do homem, visto que durante toda a viagem, Arthur passa por inúmeros momentos de desespero e horror.

Ficou curioso e quer conhecer mais da obra?
Procura na livraria mais próxima, que essa, infelizmente, não achei para baixar na internet.

         Ficou com alguma dúvida?
Entra em contato com a gente: palavrafemininaar@hotmail.com

Abraços e até a próxima.

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