por Anailde Ribeiro
e Ramona Rocha
Seguindo a ideia da Literatura de Viagem, conheceremos um livro que, embora, seu enfoque principal seja relatar uma viagem, traz muito mais que isso.
EDGAR ALLAN POE
Em O Relato de
Arthur Gordon Pym encontramos o individualismo representado pela criação de
um universo próprio, enquanto relaciona a tradição e a inovação; de modo que a
exemplo ao afirmado por Hawthorne consegue transmitir significados complexos e
sutis, no caso de Poe, revelando um homem universal, quando trata da alma
humana, do familiar e estranho, rompendo os limites da realidade.
Em O
Relato de
Arthur Gordon Pym, o protagonista é
o narrador-personagem, Arthur Gordon
Pym, rapaz de família abastada, cujo desejo de aventura levou-o a embarcar
clandestinamente no navio comandado pelo pai do seu amigo, Augusto, onde viveu
inúmeras experiências.
EDGAR ALLAN POE
Edgar Allan Poe nasceu em 1809, na cidade de Boston
(EUA), filho de atores, ficou órfão aos dois anos, sendo adotado por John Allan, rico negociante, o qual lhe
proporcionou uma esmerada educação.
Em 1826, tem uma discussão com seu
pai, por este não querer pagar-lhe as inúmeras dívidas e no ano seguinte,
abandona a mansão e se alista no
exército, onde chegou a primeiro-sargento, todavia após alguns meses saturado
daquela vida, requer licenciamento e ingressa na Academia Millitar de West
Point, onde foi expulso, em 1831, por indisciplina.
Dois anos depois, ganha um concurso
do Saturday Visiter, com o conto Manuscrito Encontrado numa Garrafa
e após recomendação de um membro do júri, P. Kennedy, é contratado por Thomas
White no Southern Literary Messenger, em Richmond; entretanto, após
alguns meses, é demitido por entregar-se ao alcoolismo.
Em 1835, casa-se secretamente com
Virginia, quando esta tinha 13 anos. Nessa época, foi recontratado por White,
sendo nomeado redator-chefe, contudo, após nova crise de depressão e dominado
pelo álcool e drogas, acaba sendo demitido definitivamente.
Em 1838, publica As Aventuras de
Arthur Gordon Pyn, e em 1845 publica o conto O Corvo, trazendo-o
sucesso literário. Nesse mesmo ano, obtém os direitos do Broadway Journal, onde
investiu tudo o que pode, contudo, ao não encontrar um sócio desiste. Dois anos depois, Virgínia morre, entregando
Poe, ainda, mais ao alcoolismo.
Em 1849, marca casamento com uma
antiga namorada, Elmira Roystester, porém, morre dez dias antes do enlace, no
dia 07 de outubro de 1849, em Baltimore (EUA).
ROMANTISMO
AMERICANO
Segundo VanSpanckeren (p. 17): “Nathaniel Hawthorne e
Edgar Allan Poe – representam a primeira geração literária importante dos
Estados Unidos”, tendo o primeiro declarado que “os romances não eram histórias
de amor, mas literatura de ficção séria que recorria a técnicas especiais para
comunicar significados complexos e sutis”.
Dessa maneira, o Romantismo
Americano pretendia efetivar a identidade do povo, afastando qualquer tradição
inglesa, enquanto abordava o individualismo e as paisagens bucólicas da
natureza.
ENREDO
Arthur Gordon Pym embarca clandestinamente no
“Grampus”, escondendo-se no porão com a ajuda de seu amigo, Augusto.
A ideia inicial era sair do
esconderijo quando a embarcação estivesse tão distante da terra que fosse
inviável o retorno para expulsar o rapaz, entretanto, devido a um motim
chefiado pelo imediato e o cozinheiro, Arthur passa mais tempo do que seus
suprimentos foram armazenados, sofrendo privação de água e comida, além do ar
impregnado pelos barris de óleo de baleia, de modo que acredita na morte certa.
Quando consegue fugir dos rebelados,
Augusto vai ao encontro de seu amigo, após algum tempo e ao perceber que um dos
rebeldes – Dick Peters – era de confiança, o rapaz revela a este o esconderijo
de seu amigo; de maneira que os três planejam a retomada do comando da
embarcação.
Com o sucesso da retomada de poder e
a morte de todos os rebelados, exceto Parker, os sobreviventes passam a sofrer
com a iminência do naufrágio e a falta de comida e bebida.
Após longo período de privações e entregues ao
desespero, Parker é usado como sacrifício para saciar a fome e a sede. Um tempo depois, Augusto morre,
devido a um ferimento no braço durante a luta de retomada de poder.
O “Grampus” naufraga, deixando
Peters e Arthur a mercê dos tubarões, entretanto, antes da morte se
concretizar, eles foram resgatados pela embarcação “Jane Guy”, onde foram bem
tratados.
O Capitão Guy tinha um espírito
exploratório e o navio fez rotas que proporcionassem a exploração de ilhas e
novas terras, levando-o à Ilha de Tu-wuit, onde conheceram selvagens e
iniciaram uma boa relação. Entretanto, os selvagens tinham um espírito
sanguinolento e armaram uma emboscada, na qual morreu todos os homens brancos,
exceto Peters e Arthur que tinha se afastado do grupo para colher avelãs.
Desse modo, eles voltam a sofrer
privações, já que não podem revelar aos selvagens que sobreviveram; até que
decidem buscar alimentos e são vistos pelos selvagens, então correm até a canoa
mais próxima e fogem da ilha, levando consigo um refém, quem, posteriormente,
descobrem chamar-se Nu-Nu. Durante a viagem, percebem que após um período de
enorme angústia, o selvagem morre, quando avistam um enorme homem surgindo das
águas.
A obra é um romance aberto, cujo
final permite ao leitor imaginar as respostas não respondidas, por exemplo,
como Peters e Arthur retornaram aos Estados Unidos.
TEMAS
- Navegação:
“O ‘Grampus’ geralmente ia à capa
com uma vela de traquete inteiramente nos rizes. (...) Mas deixemos de lado
essa lição improvisada de marujaria. Não era hábito do imediato manter um vigia
no convés quando o navio ia à capa durante um vendaval.” (Poe, 2010, p. 80-81)
- Canibalismo:
“Será suficiente dizer que, tendo
saciado a sede com sangue do cadáver e após jogarmos, de comum acordo, as mãos,
os pés e a cabeça ao mar, junto com intestinos e demais entranhas, devoramos
pouco a pouco o resto do corpo, no decorrer de quatro longos dias, do dezessete
ao vinte daquele mês” (Poe, 2010, p. 119)
- Loucura:
“Ao ver uma colônia de algas que
boiava junto ao brigue, quis jogar-se ao mar a todo custo, julgando que o
sargaço era o escaler da redentora; seus urros e bramidos me cortavam o
coração, mas consegui restringi-lo, pela força, de afogar-se na miragem”. (Poe,
2010, p.114)
- Miséria:
“Ao final do dia vinte e um,
vimo-nos mais uma vez reduzidos à escassez completa de alimentos e de água” (Poe,
2010, p. 120)
- Expedição
exploratória:
“A cinco de dezembro, recolhemos
âncora e partimos rumo ao sul, mas tendendo para oeste, com intenção de
vasculhar meticulosamente a região onde o grupo das Ilhas Auroras, de duvidosa
existência, estaria presumivelmente situado” (Poe, 2010, p. 151)
- Sobrenatural:
“(...) mas logo à frente,
interrompendo nossa trajetória, ergueu-se de súbito uma figura velada, de
proporções descomunais, dobrando ou mais as do maior vivente” (Poe, 2010, p.
229)
- Horror:
“Trinta ou mais corpos humanos,
entre os quais contavam-se algumas figuras femininas, jaziam estirados entre a
popa e o refeitório, no mais avançado estado de putrefação”. (Poe, 2010, p.
104)
- Desespero:
“Percebemos claramente que não havia
viva alma a bordo do veleiro: mesmo assim, negado o malho imparcial clamamos
por socorro àqueles mortos!” (Poe, 2010,
p.104)
- Morte:
“Sem oferecer resistência alguma,
Parker foi esfaqueado às costas por Peters foi- se de nós sem um suspiro”.
(Poe, 2010, p. 119)
FOCO
NARRATIVO
Narração feita em primeira pessoa, onde
cuidadosamente são descritos e narrados os eventos ao longo do relato ora em
estrutura de diário ora escapando a esta forma narrativa:
“3 de junho. Augusto trouxe-
me três cobertores, com os quais pude preparar uma cama confortável em meu
esconderijo”. ( Poe, 2010, p. 73)
“ Como de hábito, os homens estavam
borrachos, e, antes que pudessem ferrar convenientemente as velas , uma onda
gigantesca a estibordo forçou a galera a navegar com a murada de bombordo
submersa”. (Poe, 2010, p. 77)
De acordo com Ribeiro (1996, p. 99): Edgar Allan Poe
procura explorar o terreno daquilo que poderia ter sido, mas na realidade
não o é. Pelo engano dos sentidos perceptivos dos personagens, cria
ilusórias situações sobrenaturais que, em seguida, são instantaneamente
desfeitas
"Meu sonho não era, em verdade,
um sonho. As patas de um enorme e autêntico monstro apoiavam-se sobre meu
peito, seu hálito quente sussurava em meu ouvido e uma fileira de aterradores
alvos dentes brilhava junto a mim na escuridão. (...) Minha perplexidade foi
enorme e, a princípio, não soube explicar essa surpreendente atitude - mas logo
reconheci o ganido peculiar de meu Terra Nova "Tigre". (Poe, 2010, p.
33)
ESPAÇO
NARRATIVO
A obra acontece predominantemente em alto-mar, visto
que Arthur relata suas aventuras de viagem que principiaram a bordo do
“Grampus”.
Além disso, há o relato em ilhas
pouco exploradas, cujo espírito expedicionário dos tripulantes leva-os a buscar
informações, entre as quais podemos destacar: as Ilhas Auroras, as quais o
“Jane Guy” investiga a veracidade, e a ilha de Tu-wuit, onde explorando o
local, terminam conhecendo os selvagens, iniciando uma boa relação, embora,
sejam mortos em uma emboscada dos “ingênuos” selvagens.
PERSONAGENS
O amigo fiel de Arhur, Augusto,
tem um papel determinante no enredo ao auxiliar o embarque do amigo e
estimulá-lo a viver as aventuras no mar, embora, morra na viagem.
Um personagem que ganha espaço após
a rebelião e torna-se relevante durante
a trama é Dick Peters, o índio que ajudou Augusto a retomar o comando do
baleeiro e acompanhou Arthur em todas as aventuras, sobrevivendo a todos os
tormentos e, muitas vezes, salvando-o com sua força descomunal, o que tornou-o
no único capaz de esclarecer a lacuna do relato.
Entre os personagens com alguma relevância, há:
Os revoltosos do “Grampus”,
cujo motim permitiu o desencadeamento de todos os desastres, devido ao seu
espírito rebelde afastaram a embarcação de seu destino preestabelecido.
Parker, quem teve a ideia de um ser sacrificado para servir
de alimento aos outros e terminou sendo o sacrifício.
Capitão Guy, cuja embarcação
socorreu os náufragos, Arthur e Peters.
Tribo chefiada por Tu-wuit,
que preparou uma emboscada aos tripulantes do “Jane Guy”, deixando Peters e
Arthur novamente isolados.
MENSAGEM
Poe representa em O Relato de
Arthur Gordon Pym, a maldade e a perversidade humana, com a emboscada dos
selvagens à tripulação do “Jane Guy” ou o rumo que levou o motim no “Grampus”;
a capacidade de adaptar-se ao sofrimento como instinto de sobrevivência,
ilustrado por todas as alternativas que Arthur arrumou para sobreviver com a
privação de comida e água ou o período que passou sofrendo no porão do navio; a
angústia que rodeia toda a existência do homem, visto que durante toda a viagem,
Arthur passa por inúmeros momentos de desespero e horror.
Ficou curioso e quer conhecer mais da obra?
Procura na livraria mais próxima, que essa, infelizmente, não achei para baixar na internet.
Abraços e até a próxima.
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